Esforço recompensado: motoboy que morou na rua é aprovado na OAB

O menino do interior do Maranhão, que morou um ano nas ruas de Teresina (PI), não imaginava que Fortaleza (CE), conhecida por ele só nas placas de rodovias, lhe daria um lugar no mundo. Aos 36 anos, Sérgio Chaves Pereira, o ainda motoboy que faz estágio de Direito num escritório da capital cearense onde entregava marmitas, receberá a carteira da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-CE)

 

Os pais se separaram quando o hoje “doutor” tinha 7 anos. Dali até os 11, perambulou entre os Estados do Pará e do Maranhão, ora com a mãe ora com o pai, quase sem estudo. De um lado ou de outro, não se acertou com padrasto nem madrasta. Sem um lugar para chamar de casa, Sérgio se viu sem teto. Numa das idas e vindas entre as cidades dos pais, desceu do ônibus em Jacundá (PA), 70 km depois de embarcar em Goianésia do Pará (PA), e mudou o destino da vida.

 

“Nessa cidade, acabei inventando uma mentirinha do bem na prefeitura. Disse que morava em Teresina e que tinha ido a Jacundá ver uma tia, e que ela já não morava mais lá. Um homem me deu uma requisição que eu apresentei num desses boxes de beira de estrada. Ouvi que o ônibus sairia tal hora. Entrei e cheguei em Teresina”, conta o advogado. No Piauí, conheceu as ruas onde “pastorava” carros, como gosta de dizer, e sentia fome e frio.

 

Sérgio dormia nas calçadas. Tinha uma mochila com algumas roupas e uma escova de dentes. Cuidava de carros em troca de moedas, lavava pratos por um de comida. E comia também frutas estragadas da Ceasa. Banho era no Rio Parnaíba ou na torneira de algum posto de combustíveis. Sem oportunidades, pegou carona com um caminhoneiro e rumou para Fortaleza, um ano depois.

 

Acolhida

 

“Não tinha nem ideia do que fosse Fortaleza. Teresina, quando criança, ouvia que era a capital da medicina, para onde iam os doentes. Fortaleza foi só das placas”, recorda-se. Trabalhando de flanelinha na capital cearense, ele encontrou um rapaz que contou a história dele para o dono de um lava-jato, onde começou a trabalhar. O local também virou casa, no bairro de Fátima.

 

Nonato, o patrão, deu dignidade a Sérgio, que passou a comer à mesa com uma família. “Tudo na minha vida teve alguém que ajudou. Acredito que não se consegue nada só. Nonato me tirou das ruas. Rubens, um amigo, emprestou o nome para eu ter uma moto e trabalhar. Um irmão eu busquei de moto no Pará para ajudar a construir minha casa”, conta. Sérgio também conheceu Juliana Morais, cliente de um restaurante para o qual fazia entregas, e com quem se casou e teve o filho Nicolas, hoje com 7 anos.

 

Aos 30 anos, o advogado tinha cursado até a terceira série do ensino fundamental. Ele explica que trabalhava em três turnos para sustentar a família e dar condições de que a esposa pudesse estudar Enfermagem. “Tudo que eu fiz para ela, hoje ela faz por mim. O anel de formatura dela foi eu que dei. O meu, foi ela que me deu. Ela é minha base”, afirma. “Quando ela se formou, eu falei: ‘Agora é a minha vez’”, diz.

 

Sérgio retomou os estudos na Escola Municipal Rachel de Queiroz, em Fortaleza, em 2017. No ano seguinte, estava aprovado no Exame Nacional para Certificação de Competências de Jovens e Adultos (Encceja). Matriculou-se numa faculdade particular para cursar Direito. Enfrentou duras e longas jornadas de moto pelas ruas e o preconceito de colegas de sala pelo português mal escrito.

 

“Graduação foi bem difícil. Principalmente no começo, por eu não ter base dos ensinos fundamental e médio. Tinha colega que me corrigia, fazendo eu passar vergonha na frente dos outros. Ali eu percebi que além de todas as matérias, eu tinha que estudar português. O meu não era nem ordinário”, explica.

 

Entre os três turnos como motoboy, ele estudava. Havia anotações do painel da moto à parede do banheiro. Vídeos do YouTube viraram áudios para cruzar as ruas. Neste ano, Sérgio chegou ao último ano da graduação. Passou na prova da OAB no 9º semestre de aulas e já concluiu o 10º  e último. Aguarda apenas a colação de grau, marcada para 3 de fevereiro de 2023. “Tu nem imagina o quanto é gratificante”, orgulha-se.

 

Com informações: Estadão

Foto: Arquivo pessoal

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