“Me vestia de vendedora de cosméticos”, revela Lucinha, mãe de Beatriz

Beatriz Angélica Mota Ferreira da Silva foi morta aos sete anos em dezembro de 2015, em Petrolina (PE). O corpo foi encontrado com marcas de facadas dentro da escola em que ela estudava —o último lugar em que Beatriz foi vista com vida.

 

A mãe dela, Lucinha Mota, tomou como objetivo encontrar o assassino da filha. Por anos, ela conduziu uma investigação paralela à da polícia. Depois de andar mais de 700 quilômetros, Lucinha conseguiu identificar o assassino.

 

O homem foi indiciado por homicídio qualificado e está preso por estupro de outra criança. Em relação ao caso de Beatriz, ele confessou o crime e aguarda júri. A Universa, Lucinha conta sua história.

 

‘Cheguei ao fundo do poço’

 

“Três meses após o crime, eu cheguei ao fundo do poço. Já tinha tentado tirar minha vida de todas as formas, minha família estava sempre muito vigilante e minha última alternativa foi deixar de comer.

 

Em uma das idas ao hospital, percebi que só tinha duas alternativas: ou eu tirava a minha vida de uma vez por todas e acabava com aquela dor que estava me dilacerando ou lutaria para dar justiça a Beatriz.

 

Naquele momento, entendi que precisava viver para isso. Foi quando minha consciência retornou e comecei a buscar meios para me cuidar, cuidar da minha saúde mental e física. Passei mais ou menos um ano cuidando de mim e cobrando uma resposta do Estado.

 

‘Decidi fazer investigação paralela’

 

Quando as imagens das câmeras do colégio surgiram, depois de falarem que elas estavam com defeito e que não tinham material, eu decidi fazer uma investigação paralela.

 

Abandonei minha vida, abandonei meu trabalho: me dediquei 100% ao inquérito durante sete anos.

 

Começaram a aparecer algumas inconsistências. Logo de cara, o delegado responsável na época apresentou a tese de que Beatriz não tinha sido assassinada no local em que foi encontrada —o que ia contra o que todos os especialistas da área de segurança e peritos me diziam.

 

No final de 2019, descobri que o chefe do departamento da Polícia Científica de Pernambuco, que acompanhava o caso, trabalhava para o colégio como segurança particular.

 

Todo dia 10 [Beatriz morreu no dia 10 de dezembro] eu fazia manifestações: na frente da escola, na frente da delegacia, do Ministério Público, mas fiquei impossibilitada quando chegou a pandemia e entrei em desespero.

 

Foi quando nasceu o Somos Todos Beatriz, para fazer um movimento online.

 

‘Decidi cursar direito’

 

Toda semana eu fazia uma live e foi assim que conheci o Freddy Ponce, que é investigador de homicídios em Miami, nos Estados Unidos. Ele me encontrou e ofereceu seus serviços, disse que me treinaria e me formaria uma investigadora criminal.

 

Nas primeiras reuniões ele só me ouvia. Depois, produziu um relatório traçando o perfil do assassino da Beatriz. A polícia trabalhava com teorias: vingança contra o colégio, contra algum funcionário, satanismo.

 

Com base nas imagens, no caminhar e gestual do assassino, o Freddy traçou o perfil de um criminoso sexual que tinha como vítimas crianças. Comecei a ter aulas semanais com ele e, com base nas imagens das câmeras, ele produziu um retrato falado digital.

 

Também decidi cursar direito para entender a linguagem técnica, o juridiquês, que era muito difícil. É uma linguagem muito rebuscada e as pessoas sofrem porque não compreendem.

 

‘Me vestia de vendedora de cosméticos’

 

Fiz mais de 10 mil panfletos [com o retrato falado] e entreguei de norte a sul do país: em Pernambuco, Bahia, Ceará, Piauí, São Paulo, Rio de Janeiro. Recebia muitas denúncias e, muitas vezes, ia in loco investigar crimes de pedofilia em Petrolina.

 

“Eu me caracterizava, colocava uma peruca loira, virei revendedora de cosméticos para não ser reconhecida”.

 

Meu objetivo era identificar a pessoa e conduzi-la até a delegacia para fazer o exame de DNA e confrontar com o material do assassino encontrado na arma do crime. A nossa meta era colocar esse DNA no Banco Nacional de Perfis Genéticos.

 

Comecei por um bairro e fomos ampliando para outras cidades e estados. A gente tinha uma rotina semanal: com quem falar, como falar, como gesticular. Foi um trabalho muito bem feito pelo Freddy.

 

Eu pedia para o governador colocar o DNA do assassino da Beatriz no banco de dados para que a gente chegasse à autoria. Se o perfil dele era o de um criminoso sexual, a chance de a gente o identificar nesse banco era alta.

 

Peregrinei por anos, batia de porta em porta com revistas de amostras. Conversando sobre os produtos, trazia as informações de quem eu estava procurando e sempre descobria o que queria.

 

Por duas vezes, no Ceará, identifiquei suspeitos, fui até a delegacia, compartilhei com o delegado, ele encaminhou uma viatura e fez todos os encaminhamentos, até a coleta do material genético —mas o estado de Pernambuco não ia buscar.

 

Fonte: Uol/Universa
Foto: Arquivo Pessoal

 

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